domingo, 9 de novembro de 2008

História de amor...

Ele era um cara quieto, não falava muito, estava deixando o cabelo crescer. Parecia tímido. Era muito interessado. Como todos, naquela sala, pareciam interessados em teatro. Mas, não sei... nele havia um interesse diferente, mesmo que quase nunca expressasse em palavras o interesse pelo teatro, como os outros faziam (inclusive eu), ele expressava em ações. Sim, a principal era retornar. Ele retornava, todos os dias, mesmo que nunca fosse chamado para nenhuma leitura. Era como aquele adolescente que ia ao baile, e nunca dançava, só ficava olhando e esperando. Mas a vez dele nunca chegava. As reuniões eram do Grupo Presença, em Santa Maria, onde nos conhecemos.

A primeira vez que o vi, achei que era bonito. Bonito porque parecia aqueles caras quietos que tem algo a ser desvendado. Depois pensei: "Não deve ter nada, deve ser só aparência." Muitos tinham só a aparência, eu já havia comprovado. Com ele, pensei, é igual.
Com problemas em minha tediosa e estressante Encenação III, uma disciplina de direção teatral da faculdade, eu resolvi que chamaria atores de fora do Curso para dirigir. O 'Presença' estava cheio de gente que queria trabalhar, mas nunca era chamado. Eu precisa de atores. Resolvi chamá-lo. Ele aceitou. Dois meses depois, quando todos os outros "muito interessados" haviam me abandonado, ele e eu estávamos sozinhos em uma sala de ensaio. Eu prometi que, no próximo ano, o chamaria de volta, porque afinal, ele não tinha técnica, não tinha experiência, mas tinha de sobra uma qualidade: vontade.

No próximo ano, como prometi, chamei-o de volta. Ele aceitou. Depois me contou, que, naquele dia fatídico, havia tomado uma decisão: nunca mais retornaria aquele lugar. Ele foi lá para dizer ao diretor que nunca mais voltaria, havia desistido de uma disciplina na faculdade para ir às reuniões, estava sempre ali, há um ano e meio e nunca, nunca havia recebido sequer uma chance... Mas naquele dia, eu convidei-o novamente. Ele aceitou. E ali nasceu uma bonita amizade.

Nos ensaios, nunca se atrasava. Uma vez, caminhou quilometros para não faltar a um deles, num sábado de manhã. A família passava por uma situação financeira difícil e ele não tinha passagens. Comecei a perceber que nele havia algo, uma coisa interessante, uma facilidade de doação. Os outros eram dedicados também, mas ele se interessava muito, de verdade. Amava o teatro.
Eu brinquei um dia que nossa relação era algo como Grotowski e Cieslak... ele era meu "ator santo".

Naquele ano, passei na Encenação III. E, logo no outro semestre, havia a Encenação IV. Chamei-o, já que precisava de atores, mas alertei: "Precisaremos de ensaios extras, você precisa de técnica. Teremos de compensar. Não sou expert, mas posso te dar uma noção".
Ele era incansável. Cinco, seis horas de ensaio. Tudo bem. Sim, ele chegava duas horas antes, para uma preparação. A outra atriz, que cursava Artes Cênicas, chegava depois, para o "ensaio de fato". Por isso, acabei me apaixonando, primeiro, pelo ator. Uma espécie de discípulo. Era algo interessante. Mas, além do meu ego, que achava um máximo ter um "aluno", comecei a encontrar um companheiro de idéias. Desde então, não poderia ser diferente. Estávamos sempre juntos.

Meu namorado, na época, começou a achar estranho e ter ciúmes. Eu estava sempre com o "meu" ator. Sim, comecei a chamá-lo e apresentá-lo aos colegas e amigos como "meu ator", porque afinal, ele trabalhava só comigo. Era estranho chamar de "meu amigo", porque era mais que isso. Então, como havia necessidade de explicar qual relação nós tínhamos, eu dizia: "Esse é o Marco Antonio, meu ator". Achavam engraçado.
Mas o então "meu namorado" começou a ter ciúme. E devo, na verdade, agradecê-lo por isso, porque com seu ciúme, começou meu questionamento. Poderia ser esta uma relação diferente?

Ele, o "meu ator", que agora também era meu amigo, me contava tudo. Sua relação com a família, suas paixões, gostos e sonhos. Eu os contava os meus. E ele, um dia, começou a falar das garotas. Suas paixões, suas conquistas, as paqueras. Eu achava engraçado, gostava de ouvir. Dessa forma, sentia-o ainda mais presente, mais perto.

Enquanto isso, nossa relação profissional ia de vento-em-popa. A Encenação IV havia sido um sucesso. E agora? O próximo passo era um monólogo. Não precisaria de atores. Ele sugeriu montar um grupo. Aceitei na hora. Não que ele precisasse, pois nessa época, depois dos "sucessos", outras pessoas o chamaram para trabalhar. Mas ele queria continuar trabalhando comigo. E eu, com ele. Prometemos que, independente do que acontecesse, nossa parceria nunca acabaria. Nós sabíamos que estávamos ligados por nossa paixão: o TEATRO.

Um dia, eu soube dos comentários. Todos diziam que estávamos juntos. Perto da nossa ida para o primeiro festival, resolvi parar de fingir o que há muito eu já havia percebido. Não queria mais ficar com meu então namorado, mas não sabia como acabar o relacionamento.
Ele continuava me contando suas aventuras. Achava Fulana bonita, Ciclana tinha pernas fenomenais, Beltrana era simpática... Inevitavelmente, a mulher competitiva dentro de mim quis saber: E eu? O que sou? Não sou atrativa?

Naquele festival, na cidade natal dele, Rosário do Sul, RS, começou minha tortura. Eu não podia mais esconder de mim mesma. Eu estava apaixonada, ele era tudo que sempre sonhei, desde garota: o amigo que... não era nada mais que amigo ainda. Mas será que ele iria querer algo mais? Eu o conhecia bem, ele sempre me contava seus truques... Ficaria comigo algum tempo, depois fugiria com alguma desculpa esfarrapada. No último dia, antes mesmo da premiação, quem fugiu, fui eu. Peguei um ônibus sozinha para Santa Maria. Não havia acontecido nada de mais sério entre nós, mas no meio da festa e da bebedeira, confessei meu interesse. E agora? Tudo poderia ruir. Pedi desculpas, ele também. Nós não queríamos estragar a relação profissional.

Naquele festival, ganhei meu primeiro prêmio artístico, de Melhor Diretora, e ganhei um amor para minha vida toda. Terminei meu namoro, e quinze dias depois, começamos a nos ver novamente. Aos poucos, fomos nos acertando... Hoje, eu digo que formamos um casal artístico, no estilo Liv Ulmann e Ingmar Bergmann, invertido porque a mulher é a diretora e o homem, o ator. Mas nossa relação, espero, vai durar mais que a deles. Nós nos damos muito bem.

Desde sempre a conversa flui. Os sentimentos, as coisas em comum. Não tivemos o embaraço inicial da falta de intimidade nos assuntos, pois quando ficamos juntos, já nos conhecíamos até certo ponto. Quando uma maior intimidade é colocada numa relação, podem aparecer problemas, mas conosco, foi muito natural e gostoso ter mais intimidade.

Continuamos trabalhando juntos. Agora, estamos sempre juntos. Nesse período em que estou em São Paulo e ele em Santa Maria tem sido difícil... para nós dois. Mas, logo, logo, estaremos juntos. Eu tenho certeza de que o amo demais e sei que sou amada também.

Esta é a nossa história de amor, que terá sempre um final feliz, independente de qual seja ele, porque somos, antes de tudo, companheiros de jornada.

2 comentários:

Anônimo disse...

Eu quero dizer que escrevo essas palavras enquanto limpo minhas lágrimas que caem sobre o teclado. E isso não é apenas um jeito "legal" para introduzir minhas palavras.Choro de verdade e sem conseguir parar.

Ao ler essa história pude relembrar cada segundo da nossa relação. Cada momento que somados um a um fazem de nós como somos hoje.

Sei que estamos longe, mas mesmo com toda essa distância posso sentir tua presença sempre comigo. Você sempre foi, mesmo antes de ser minha namorada, minha companheira e vai continuar sendo eternamente.

Me fogem as palavras para descrever como realmente estou me sentindo nesse momento.

Só posso dizer MINHA LINDA, que eu te amo com todo meu coração. Você tudo pra mim...
...é a melhor coisa que já aconteceu na minha vida.

Beijos Minha Pintada!!!
Te dedico.

Graciela Borges disse...

Emoção é o que não falta ao ler a historia e a declaração de amor de um para o outro! Muito bom saber e ver o amor de vcs acontecer ...Felicidade é o que desejo à esse casal de artistas(e dos bons)..pq como conseguir isso só vcs sabem o caminho!!!!
Um grande beijo e muito sucesso nessa nova jornada..e qdo der voltem pra "terrinha", temos saudades!
beijoss